Posicionamento político exige consistência das marcas

14 de janeiro de 2021 às 15:17


Jaime Troiano analisa movimento das empresas na invasão ao Capitólio e fala sobre riscos e desafios na tomada de partido

Renato Rogenski

Em 2018, Ben & Jerry’s criou sorvete com sabor “resistência”, contra políticas do governo Trump (Crédito: reprodução)

Na semana passada, em uma iniciativa histórica, algumas empresas decidiram se posicionar diante da invasão ao Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos. Marcas como Coca-Cola, Chevron, Seventh Generation e Ben & Jerry’s repudiaram o movimento realizado por apoiadores do presidente norte-americano, Donald Trump, durante a reunião para validação da vitória do presidente eleito Joe Biden.

O mais taxativo dos posicionamentos foi da Ben & Jerry’s, que pediu o impeachment de Trump. Por meio de uma thread no Twitter, a marca escreveu: “O que aconteceu ontem não foi um protesto – foi um motim para defender a supremacia branca”. A rede de sorvetes continuou: “Uma multidão predominantemente branca, encorajada pelo presidente, violentamente invadindo a sede de nossa democracia na tentativa de derrubar uma eleição livre e justa”.

O texto foi encerrado com um clamor pelo impeachment: “Renúncia, impeachment, Emenda 25 … nem mais um dia”. Vale lembrar que essa não é a primeira vez e nem vai ser a última vez que as marcas tomam algum direcionamento político em sua comunicação, seja nos Estados Unidos ou mesmo no Brasil. Em 2018, por exemplo, a própria Ben & Jerry’s criou um sabor de sorvete chamado Pecan Resist que, de acordo com a marca, tem como objetivo “resistir pacificamente às políticas regressivas e discriminatórias do governo Trump”.

Nos últimos tempos, com a pressão pública impulsionada pelas redes sociais, as marcas foram encorajadas ou intimadas a tomar partidos em discussões das mais diversas. Na entrevista jogo-rápido abaixo, Jaime Troiano, fundador e presidente da Troiano Branding, fala sobre os riscos, oportunidades para marcas que se posicionam ou querem se posicionar politicamente.

Meio & Mensagem – Qual é o balanço que você faz do posicionamento das marcas no caso da invasão do Capitólio?
Jaime Troiano – O compromisso supremo das marcas é com a sociedade e não com o mercado. A sua manifestação política somente faz sentido quando sua relação com a sociedade está enraizada em valores e princípios que ela pratica, efetivamente, de forma sustentável. E mais, quando não estiver revestida de um caráter oportunista. As pessoas hoje sabem distinguir o que é uma iniciativa legítima e o que são as arrivistas.

“A empresa e suas marcas não podem ser uma biruta dessas de aeroportos que se movimentam de acordo com a direção para onde o vento sopra” – Jaime Troiano

M&M – O que uma marca precisa levar em conta para se posicionar politicamente?
Troiano – Em primeiríssimo lugar, marcas que pretendem se manifestar politicamente ou se alinhar com mensagens políticas que circulam na sociedade precisam ter absoluta consciência do tamanho de seu telhado de vidro. Há casos em que os próprios colaboradores desmascaram a empresa, mostrando que o que elas dizem da porta para fora não reflete ou não tem amparo no que praticam no ambiente interno. Portanto, a palavra-chave é o compromisso com coerência.

M&M – Quais são os desafios para as marcas que querem entrar na seara de assuntos políticos?
Troiano – O principal desafio das marcas é encontrar seu autêntico propósito. Só quem conhece suficiente e honestamente o que empresa representa diante da sociedade tem o direito de agir diante do mundo e dizer aos outros o que deveriam fazer. Quem não tem clareza sobre a natureza de seu propósito, não consegue alinhar seu discurso externo, e nem sua comunicação de forma coerente com ele. O outro desafio fundamental é que os colaboradores da empresa precisam sentir que os dirigentes da organização, sua área de comunicação corporativa, refletem o pensamento médio da empresa e não falam em nome próprio apenas.

M&M – E quais são as oportunidades?
Troiano – A melhor oportunidade é aquela que flui naturalmente desse propósito. Sabemos o quanto hoje os colaboradores, de alguma forma, pressionam e esperam que a empresa se envolva nas discussões da sociedade. Mas os seus gestores precisam ter clareza da pertinência ou então não de se atrever a dar esse passo. A empresa e suas marcas não podem ser uma biruta dessas de aeroportos que se movimentam de acordo com a direção para onde o vento sopra. Elas precisam ter convicções sólidas que não obedecem simplesmente às flutuações políticas da sociedade.

Fonte: Meio&Mensagem


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