Negros representam apenas 10% dos protagonistas de campanhas

22 de novembro de 2021 às 15:08


Instituto Locomotiva apontou ainda que a população preta movimenta mais de R$ 1,8 trilhão e soma 112 milhões de consumidores ativos no país

Por Paulo Macedo

Consciência tem cor, raça, credo? Ou consciência é imparcial? Não custa lembrar que há visível intolerância e preconceito com a população negra na sociedade global. Mas isso conflita com a frase de Luiz Melodia em Maravilhas Contemporâneas: “Negro não é uma questão de engano”.

Embora marcas, produtos e serviços não façam distinção na hora do consumo, vieses pessoais terminam colocando a reputação de algumas delas em xeque. Os números não mentem sobre miopias étnicas que não podem ser creditadas às heranças culturais.

O Instituto Locomotiva, dos executivos Renato Meirelles, Álvaro Machado Dias e Carlos Alberto Júlio, tem análise sobre o impacto do preconceito racial na economia brasileira feita na pesquisa intitulada O desafio da inclusão. A população negra movimentou em 2017 mais de R$ 1,8 trilhão, mas apontou que o tamanho da desigualdade equivale a R$ 808 bilhões. Os negros também têm a menor parcela na remuneração por serviços prestados.

O Locomotiva observa na sua ponderação o desnível em relação aos negros na comunicação mercadológica. “Observando a publicidade, fica fácil identificar uma parte desse preconceito com uma população de maioria negra. 90% dos protagonistas das campanhas publicitárias são brancos. Apenas 6% dos negros brasileiros se sentem adequadamente representados na TV”, esclarece a pesquisa do Locomotiva. Ou seja, dos 112 milhões negros do Brasil, o 11º do share global e 17º em consumo, “96% não comprariam de marcas que não respeitam a diversidade”. E para 81% dos negros, não é admissível preconceito na comunicação.

“A seleção de casting ficou menos agressiva do que antes. Na hora do ‘vamos ver’ atores negros acabam ocupando posições secundárias, ou se repetem mais. Objetivamente, os brancos são majoritários em um mercado no qual a maioria é negra”, considera Renato Meirelles, presidente do Locomotiva e professor do Ibmec.

Enganos acontecem. Recentemente toda a diretoria da Wieden + Keneddy foi exonerada no Brasil devido a campanha Crise & Crie, que fez alusão à escravidão por meio do gênero musical blues e ao movimento Black Power. A ação, para promover o Festival do Anuário do Clube de Criação de São Paulo, recebeu duras críticas. A entidade elegeu no início de outubro a Chapa Preta, sob a liderança de duas mulheres: Joana Mendes (R/GA) e Gabriela Moura (Soko).

As marcas estão se mobilizando para inserir o tema na pauta de inclusão. O Bradesco, por exemplo, está lançando a segunda temporada do projeto Bravoz – Encontros Bradesco de Vozes Brasileiras, este ano, com o curta-metragem de 15 minutos de duração Bravoz Ubuntu, que será lançado no próximo sábado, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, no canal do YouTube do banco.

Diretor e ator, Zózimo Bulbul tem homenagem do Itaú Cultural Play com mostra de filmes como o curta Samba no trem (Reprodução)

Com produção da Publicis Brasil sob o conceito ‘Sou o que sou porque nós somos’, o projeto é inspirado “na filosofia africana ubuntu sobre coletividade e solidariedade. O filme conta a história de uma personagem, interpretada por Jeniffer Nascimento, e a sua busca por uma carreira de sucesso como cantora. Na trama, ela é ajudada por diversos profissionais, que interpretam eles mesmos retratando como a rede empreendedora se forma na jornada: Eliane Dias será a empresária, Zezé Motta a mentora, Parteum o produtor musical e Moysah o diretor”.

“Abrir espaços e ampliar a representatividade são crenças presentes desde a origem do Bradesco e seguem cada vez mais fortes como propósito. Bravoz é um projeto que nos alegra por trazer uma cultura da consciência negra, todos os dias”, comenta o gerente de redes sociais do Bradesco, Marcelo Salgado. “De janeiro a outubro de 2022, o projeto apresentará vídeos mensais das biografias de empreendedoras da equipe responsável pelo filme”, acrescenta.

A questão tem merecido a atenção das agências de publicidade que estão estruturando áreas de inclusão e diversidade. “Novembro chega, e com ele a discussão sobre a questão racial ressurge. Mas é importante termos consciência que essa discussão precisa acontecer o ano todo. A população negra é maioria entre os brasileiros, esta é a realidade em nosso país, e precisamos refletir isso em nossos trabalhos. Nossa indústria é agente importante na formação de imaginário, por isso temos um papel fundamental na transformação, na luta urgente contra o racismo estrutural, contra a naturalização da ausência de negros e negras na mídia, na comunicação.

Para isso, cada vez mais precisamos de ações de equidade racial efetivas; aumentar o número de profissionais negros e negras nas equipes. Não apenas em postos de entrada ou intermediários, mas sim nas tomadas de decisão de comunicação. Só assim será possível realizar uma mudança verdadeira, perene, sistêmica”, pondera a executiva Valerya Borges, diretora de diversidade, equidade & inclusão da VMLY&R.

Construir cultura não é commodity. É atitude que deve permear decisões em todos os níveis de uma empresa. Talento, porém, é essencial. Rachel Maia é um bom exemplo. Ela foi a primeira negra a presidir uma empresa, a Lacoste, além de ocupar cargos C-Level em empresas como Tiffany & Co, Novarti e Pandora. “A publicidade tem o poder de mover a massa. A publicidade tem a responsabilidade de construir. Agregar diversidade, entender artigos para A, X ou Y e a escolha são importantes, assim como direitos iguais, independentemente das diferenças e características físicas”, explica Rachel.

A startup Galena, focada em alunos das escolas públicas para ter vaga de trabalho nas empresas, que tem 47% dos seus 55 funcionários negros, entendeu que essa postura não é restrita ao RH. “Não há mais espaço para companhias que não têm um olhar para a diversidade e a inclusão. A taxa de contratação de 100% dos participantes do programa da Galena comprova que adiversidade é um fator de atração de talentos. Com pessoas diferentes, tudo isso se amplifica, trazendo não só uma melhor conexão entre os colaboradores, mas também com a sociedade. Se a estratégia corporativa não dialoga com a diversidade e a equidade, não chegará no consumidor final”, argumenta Sabrina Silva, cofundadora da Galena, onde está à frente das áreas Gente&Gestão e D&I.

A Feira Preta completa 20 anos em 2021. Até o dia 10 de dezembro terá agenda intensa com shows de nomes como o rapper Emicida, Liniker, Afrocidade e Tasha & Tracie. Criado por Adriana Barbosa, o projeto atraiu nesse período 200 mil pessoas, três mil artistas e 1.800 empreendedores com as vendas de produtos e serviços de afroempreendedores, com receita superior a R$ 6,5 milhões. “É um marco no que tange ao avanço da pauta racial no país”, celebra Adriana.

Ricardo Silvestre criou há um ano a Black Influence (Divulgação)

Para reforçar a conexão África/Brasil, a revista eletrônica Afrikaliente estreou no Globoplay e Multishow sua segunda temporada. É apresentado pelo angolano Salomão Fonseca (Dj Salu), e a costa-marfinense Larissa Edy. É uma produção original da Trace Brasil. A atração “reforça o compromisso da multiplataforma de cultura afrourbana de ampliar as vozes da comunidade negra, em especial de imigrantes e refugiados, com leveza, informação e muito entretenimento”, resume o comunicado da Trace.

A ideia do publicitário Ricardo Silvestre ao criar a Black Influence era unir três pilares: comunicação criativa, diversa e antirracista. No seu terceiro ano de atividade já contabiliza faturamento de R$ 3 milhões. No primeiro, em 2019, já registrou receita de R$ 1 milhão devido à carência de comunicação mais diversa.

“Por isso, a Black Influence resolveu abraçar todas as etapas do agenciamento de influenciadores. A agência nasceu com o propósito de remodelar a comunicação entre influenciadores negros de diversos segmentos e as marcas anunciantes”, diz Silvestre. Por sentir na pele a falta de espaço para negros criarem conteúdo no mercado de propaganda, o publicitário Ricardo Silvestre decidiu se dedicar a abrir as oportunidades de valorização para este público. Silvestre destaca a estratégia desenvolvida para Amazon Prime Video para impulsionar nas suas redes sociais a série Manhãs de Setembro, estrelada pela cantora Liniker. “O trabalho de comunicação foi feito com mais de 60 influenciadores da agência, com protagonismo para criadores de conteúdo negros”, ele completa.

“A Black Influence surgiu com o intuito de revolucionar o mercado publicitário brasileiro e é isso que nos move: a possibilidade de fazer a diferença e atuar positivamente na mudança que nós queremos ver. Hoje a agência tem relevância e importância, principalmente porque nós trabalhamos para ressignificar de fato o jeito de se comunicar com as pessoas – sobretudo pessoas negras, que são maior parte da população, mas apesar disso seguem sem ter o seu devido reconhecimento e destaque”, acrescenta ainda Silvestre.

Neste Novembro Negro, a plataforma de streaming gratuita Itaú Cultural Play está prestando homenagem ao ator e diretor Zózimo Bulbul, referência do cinema nacional que estreou sua fase autoral em 1973 com o curta Alma no Olho, produção que trouxe o debate sobre representatividade negra nas telas em plena ditatura. “Com trilha sonora de John Coltrane, o filme mostra retratos fragmentados do rosto, da boca e de um corpo nu como ponto de partida para uma viagem por diferentes personagens e gestualidades negras. Por elas, a história descreve a trajetória do negro desde o corpo livre mítico-escultural ao escravo acorrentado e torturado pelo colonizador branco”, resume comunicado do Itaú Cultural Play.

A iniciativa conta ainda com os trabalhos de Bulbul: Aniceto do Império, Samba no trem, Abolição, Renascimento Africano e Pequena África.A questão da miopia à realidade dos negros tem base em dados, como os 56,1% que o IBGE quantifica como fatia da população negra no Brasil. E os 78% de presença branca na publicidade, como indica pesquisa feita pelo Grupo de Estudos de Ação Afirmativa (Gemaa), que analisou anúncios publicados na revista Veja entre 1987 e 2017. Esses dados fizeram surgir a Fértil Imagens.

Adriana Barbosa fala que Feira Preta é marco da causa (Divulgação)

“É o primeiro banco de imagens brasileiro voltado à diversidade preta, direcionado para agências e empresas que prezam pela inclusão de negros, indígenas e PCDs em campanhas. A chegada do Dia da Consciência Negra evidencia debates sobre o racismo e o combate à desigualdade racial”, observam Rodrigo Portela e Renato Lopes, criadores da Fértil Imagens.

“As empresas precisam se posicionar cada vez mais a favor da diversidade. Quando falamos sobre campanhas de marketing, encontramos dificuldades em achar boas imagens para peças publicitárias. O Fértil busca facilitar essa jornada usando habilidades próprias na criação de materiais”, acrescenta Lopes, que também é coordenador da produtora Terra Preta Produções.


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