MP muda direitos de transmissão do futebol

19 de junho de 2020 às 11:17


Clube mandante ganha poder soberano na venda de exibição das partidas e altera toda a dinâmica de negociação do mercado.

Renato Rogenski

Nesta quinta-feira, 18, mesmo dia em que a bola volta a rolar no futebol brasileiro, com Bangu e Flamengo, jogo válido pelo Campeonato Carioca, uma Medida Provisória do presidente Jair Bolsonaro altera as regras para os direitos de transmissão no País. Agora, com a modificação na lei 9.615/1998, a lei Pelé, o clube de futebol mandante da partida é quem passa a ter os direitos de arena e, portanto, se torna o único que, na prática, pode negociar com as emissoras de TV e plataformas a exibição da disputa.

“Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo”, diz o texto publicado nesta quinta, em edição extra no Diário Oficial da União. A medida provisória já é válida, mas precisa ainda ser aprovada em até 120 dias pelo Congresso para se tornar lei.

Antes da medida, a transmissão das partidas dependia de uma negociação das emissoras com os dois clubes envolvidos. Vale lembrar que Globo e Flamengo não chegaram a um acordo para a exibição dos jogos do time rubro-negro no Campeonato Carioca 2020 e a volta do futebol brasileiro pode não ser exibida. Com isso, o cenário trazia a perspectiva do que o mercado chama de apagão para o estadual carioca, quando diversas partidas ficam sem transmissão para a televisão.

Por meio de comunicado, na tarde desta quinta a emissora ressaltou que a nova legislação, ainda que seja aprovada pelo Congresso Nacional, não modifica contratos já assinados, que são negócios jurídicos perfeitos, protegidos pela Constituição Federal. Por essa razão, de acordo com a Globo, a nova Medida Provisória não afeta as competições cujos direitos já foram cedidos pelos clubes, seja para as temporadas atuais ou futuras. “A Globo continuará a transmitir regularmente os jogos dos campeonatos que adquiriu, de acordo com os contratos celebrados, e está pronta para tomar medidas legais contra qualquer tentativa de violação de seus direitos adquiridos”, diz o texto.

Também por meio de nota, atualizada na tarde de ontem, 17, a emissora afirmou que o Flamengo rejeitou a primeira proposta para a transmissão dos jogos, mas que as negociações seguiam em curso. “Desta vez, considerando o propósito mais amplo do que está sendo negociado e, principalmente, pela manifesta expectativa do Flamengo por um pagamento de direitos, a Globo evoluiu a proposta para um acordo financeiro para a exibição das partidas na TV aberta e PPV”, diz o texto da emissora.

No mesmo dia, o presidente do rubro-negro carioca, Rodolfo Landim, esteve presente na posse do novo Ministro das Comunicações, Fabio Faria, em Brasília. Em entrevista ao programa Donos da Bola, da Band no Rio, nesta quinta, ele admitiu que conversou com Bolsonaro sobre direitos de arena. “Expliquei em detalhes que tem um problema na legislação que os dois clubes precisam aprovar para que um jogo possa ser passado. O Flamengo não fechou com a Globo para o Carioca, mas não pode comercializar com ninguém, pois só pode com a TV que tem o direito dos clubes do Carioca. Isso só tem valor para a emissora, e o Flamengo fica sem poder pegar um valor justo”, afirmou.

“Esse modelo não se sustenta e vai na contramão do que acontece em direitos de transmissão das principais ligas do mundo” – Fabio Wolff.

Com a mudança imposta pela medida provisória, a partida de hoje, que tem mando do Bangu, está teoricamente liberada para transmissão da Globo. Embora o clube carioca já tenha sinalizado positivo para a exibição, a emissora ainda não confirmou se vai ou não passar o jogo em seu canal. Na manhã desta quinta, em nota encaminhada para Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj), a empresa demonstrou preocupação com o protocolo sanitário e com a segurança dos jogadores e não garantiu o reinício das transmissões.

Embora a MP não atinja contratos em vigência, e seja cedo para medir toda a dimensão de seus impactos, já há quase um consenso entre os profissionais de marketing esportivo que a medida muda toda a dinâmica não apenas das negociações dos direitos de transmissão, como também a venda de pacotes de patrocínio por parte das emissoras. Para Fabio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports & Marketing, se de fato virar lei, a nova regra que acaba com o conceito de venda coletiva também tende a aumentar o abismo entre os clubes grandes e pequenos no futebol brasileiro.

Em sua visão, as entidades esportivas maiores ganham ainda mais poder sobre o gerenciamento de seu próprio conteúdo e podem lucrar com negociações individuais. Por outro lado, os pequenos, que geralmente já tem uma certa garantia com direitos de transmissão quando estão em ligas de boa visibilidade, correm o risco de ter um horizonte mais incerto pela frente, podendo até mesmo ter que negociar partidas de forma pontual.

O profissional acredita, ainda, que, se a gestão desses clubes menores não encontrar outras maneiras consistentes para gerar receitas, muitos desses clubes pequenos terão sérios problemas para se manter no futebol nacional. “Esse modelo não se sustenta e vai na contramão do que acontece em direitos de transmissão das principais ligas do mundo, caso de Espanha, Itália e Inglaterra. A venda individual, e não coletiva, desfavorece os campeonatos como produto e pode causar grandes problemas, incluindo a extinção de clubes pequenos em função da falta dessa receita importante de televisão”, analisa.

Meio&Mensagem (19.06.20)


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