Mídia programática evolui com debate sobre exposição indesejada
9 de junho de 2020 às 12:21
Marcas ficam alertas após terem anúncios ligados a fake news; adequação de conteúdo e algoritmos ajudam prevenção, mas fator humano é fundamental
Por Danúbia Paraizo
Propaganda no digital: adequação de conteúdo e algoritmos ajudam prevenção, mas fator humano é fundamental.
Nem todos os carros que se locomovem pelas ruas são blindados, mas todos precisam pelo menos do seguro. O paralelo com o ambiente digital exemplifica a postura que anunciantes deveriam seguir quando veiculam campanhas usando a mídia programática.
A preocupação das marcas com sua segurança na internet não é algo recente – os manuais, comitês e políticas de brand safety são atualizados constantemente -, mas o assunto voltou aos holofotes, seja por causa da CPI das Fake News, que revelou na semana passada o imbróglio do governo federal, que exibiu dois milhões de propagandas em sites maliciosos, ou ainda, com as denúncias do canal Sleeping Giants Brasil.
O perfil nas redes sociais vem alertando marcas sobre a exposição de seus anúncios em sites que disseminam desinformação e discurso de ódio, tornando pública essa associação nada positiva. Segundo o Sleeping Giants Brasil (leia entrevista abaixo), 170 marcas foram notificadas sobre a veiculação em sites indesejados. Boa parte delas sequer fazia ideia de que suas campanhas eram exibidas em ambientes nocivos.
Em um cenário de pandemia onde a geração de conteúdo sobre a Covid-19 aumentou exponencialmente, a demanda por essas informações também cresceu, abrindo oportunidades de as marcas usarem a mídia programática para um impacto mais massivo. Sem os devidos ajustes de controle de onde esses anúncios vão aparecer, no entanto, a reputação de anunciantes fica em risco.
A pesquisa Content Moments, conduzida pela Verizon Media no início de 2020, revelou que 75% dos consumidores consideram as marcas responsáveis pelo conteúdo onde seus anúncios são veiculados, e 67% dos consumidores sentem-se menos favoráveis a marcas que anunciam junto a conteúdos de baixa qualidade ou veracidade duvidosa.
Para Leonardo Khéde, head of sales da Verizon Media Brasil, o contexto onde os anúncios são inseridos nunca foi tão importante. “Vemos uma preocupação muito grande com esse tema, em não se associar a conteúdos trágicos, duvidosos e fake news, e a tecnologia é uma grande aliada, pois permite que a segmentação seja cirúrgica”, destaca.
Uma das estratégias mais populares é a adoção de listas de positivação ou negativação de assuntos, facilitando que os algoritmos façam o mapeamento dos sites que tenham conteúdos que devem ou não receber anúncios sem trazer riscos às marcas. Além de temas sensíveis ligados a crimes, como pedofilia e pirataria, e discursos de ódio, cada anunciante pode criar seus parâmetros e camadas de proteção. A questão se torna mais cinzenta, no entanto, quando se trata das fake news.
Segundo Bruno Oliveira, CMO da AdsPlay, as notícias falsas têm ligado um alerta no ecossistema programático devido às dificuldades dos algoritmos de identificá-las. “É um problema cada vez mais forte, porque são feitas com uma notícia que tem um cerne verdadeiro, mas elementos falsos no meio. Um robô que categoriza obscenidade, conteúdo adulto ou outra questão vai passar batido por essa notícia falsa. Então, a solução é revisitar manualmente essas listas porque os sites surgem em uma velocidade grande”.
Para Artur Pereira, representante da adTech francesa SciBids no Brasil, em alguns contextos, essa análise é bastante tênue, dificultando o trabalho até mesmo de humanos. “Mas na maioria das vezes não se trata de uma área cinzenta, é nítido identificar conteúdos de péssima qualidade, de fake news. O problema é que trazem volume de entrega muito alto. Quem opera as campanhas para anunciantes precisa estar atento”, explica.
SUBJETIVIDADES
O ecossistema da mídia programática é baseado em dados, na lógica de algoritmos e métricas de conversão, mas está em um processo de mudanças. O comportamento da audiência, elemento crucial neste ambiente, é o epicentro dessa transformação, forçando anunciantes a considerarem novos fatores na hora da compra automatizada. Entram nesse sistema questões subjetivas como posicionamento de marca, propósito e valores éticos, que agora dividem espaço com parâmetros relevantes para os algoritmos, como perfil socioeconômico do público, seus interesses e número de impressões, entre outros.
Se torna tão importante para a marca saber que sua campanha não está apoiando desinformação e ódio quanto métricas de alcance e conversão. Mas esse equilíbrio nem sempre tem uma conta simples. É o que explica Oliveira, da AdsPlay. “Muitas marcas têm colocado a performance como prioridade, enquanto outras preferem inserir mais camadas de segurança, o que aumenta o custo da campanha. Você precisa chegar num meio-termo para não precisar colocar tanta segurança que encareça o investimento, nem deixar descobertos fatores que exponham a marca a riscos”.
É nesse contexto onde começam os debates mais profundos sobre adequação da marca na internet, o chamado brand suitability. “Enquanto no brand safety há uma política e determinações claras onde determinadas categorias de anunciantes não devem estar, o brand suitability traz um ajuste mais fino, flexível e sofisticado de entender onde é mais adequado a marca estar”, detalha Pereira, da SciBids. O especialista em inteligência artificial aplicada a mídia programática explica que uma medida de safety é proibir associação de uma marca de carros a conteúdos sobre acidentes com automóveis, por exemplo. Já o suitability avalia a adequação da marca a cada situação.
Mesmo com a oferta de novas camadas de proteção com apoio da tecnologia, o fator humano segue relevante principalmente para identificar subjetividades, intenções e vieses. Pesquisa da Integral Ad Science (IAS) em parceria com a Verizon Media de abril deste ano revelou que anunciar ao lado de manchetes com boas notícias gera respostas mais favoráveis dos consumidores em relação às marcas. O estudo que monitorou a percepção dos brasileiros em relação a anúncios veiculados próximos de conteúdos sobre a pandemia da Covid-19 apontou que 59% das pessoas se mostraram favoráveis às marcas que associaram campanhas a manchetes positivas.
A grande questão é a subjetividade do algoritmo em entender a notícia como negativa ou positiva. A palavra “morte”, por exemplo, pode estar associada ao crescimento de óbitos, portanto, teoricamente, afastando anúncios das marcas naquele espaço. Mas também pode estar inserida em uma notícia sobre a queda da mortalidade. Esse ajuste fino sobre a adequação do conteúdo é o que está sendo cada vez mais avaliado no brand suitability com apoio humano e tecnológico.
EQUILÍBRIO
A mídia programática tem sido um grande trunfo de anunciantes que buscam presença massiva na internet. Por meio das chamadas DSPs, plataformas de software que dão apoio para a compra otimizada e mais inteligente de inventários de mídia em milhares de sites, uma marca pode determinar com bom custo-benefício quais assuntos ou contextos quer que sua campanha apareça de acordo com o perfil do público que pretende atingir. A mágica fica por conta dos algoritmos que fazem o trabalho de identificar por palavras-chaves esses ambientes e inserir o anúncio.
Para Cristiane Camargo, CEO do IAB Brasil, apesar dos casos recentes da falta de controle das marcas sobre os inventários de mídia onde estão inseridas, a compra automatizada permite a definição de parâmetros muito bem estabelecidos. Cabe ao anunciante e às agências que fazem a gestão da conta análises mais profundas.
“Você pode configurar formas diferentes de compra: apenas pelo target, por exemplo, te dá uma possibilidade de contexto. Você escolhe os sites pelo perfil de navegação do seu público e não apenas por ambientes predeterminados. Isso dá uma pulverização extrema da mensagem, mas também traz riscos”, destaca. A executiva explica que não há certo ou errado em fazer uma compra de mídia por target, mas essa forma vai levar o anunciante onde o consumidor está. “Se ele estiver consumindo um conteúdo adulto, por exemplo, a marca deve refletir se quer ou não estar ali. Cada empresa tem de entender qual é risco”.
Se do ponto de vista de custo e alcance, determinadas escolhas de compra no digital podem ser benéficas, essa escala de veiculação pode facilmente fugir do controle, principalmente, em um ecossistema onde diariamente surgem milhares de novos blogs e sites. Foi o que aconteceu com marcas de peso como Oi, Banco do Brasil, Dell, Nissan, Claro, Fiat, Seara e Adidas, entre dezenas de outras que se comprometeram abertamente nas redes sociais a interromper os anúncios em sites que disseminam fake news, após os alertas do perfil Sleeping Giants Brasil.
Esse episódio pode ter um preço para as marcas que vai além do valor monetário, mas serviu como um alerta coletivo para os players que atuam no digital. “O movimento foi criado com a intenção de conscientizar a marca em relação ao seu capital publicitário, para que ele não financie ataques a democracias promovidos em sites que também prejudicam o papel social que toda empresa precisa ter”, disse o Sleeping Giants Brasil ao PROPMARK.
O movimento crescente de cobranças sobre posicionamento de marca impõe novas responsabilidades no contexto digital e terá reflexos invariavelmente na mídia programática. “A proposta do Sleeping Giants Brasil é superpositiva. Está trazendo luz para um problema de falta de controle das marcas, e reflexos para a mídia programática. O mercado vai sangrar, mas teremos um ecossistema mais saudável. As soluções já existem”, diz Pereira, da SciBids.
Oliveira, da AdsPlay, complementa: “É comum querer culpar os algoritmos pelos problemas que vemos hoje, e não os processos e escolhas equivocadas. É como um carro autônomo ser responsabilizado por acidentes. Justamente a tecnologia é um caminho para processos mais seguros”.
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