Marcas enxergam oportunidade de gerar negócios com as lives
19 de maio de 2020 às 11:33
Engajamento experimentado com iniciativas de entretenimento leva as empresas a pensarem em estratégias focadas em ampliar as vendas
Por Alisson Fernández e Felipe Turlão
Matheus Amaral, diretor de pós-vendas e marketing de produto, e Diego Borghi, CEO, ambos da Ducati do Brasil
A explosão no interesse por transmissões ao vivo através de plataformas digitais elevou as lives a um novo patamar de engajamento, especialmente para conteúdos focados em entretenimento e informação. O potencial dessa ferramenta, capaz de unir milhões de pessoas para shows feitos em casa por artistas renomados, ou para ouvir analistas discorrerem sobre questões de saúde e bem-estar, começa a ser observado de maneira mais próxima também pelas marcas como um potencial gerador de negócios.
Em um mercado afetado pela Covid-19 e distanciamento social, as empresas podem se utilizar mais das lives para lançar produtos e serviços, e até mesmo gerar conversão em vendas, dentro de uma estratégia mais ampla de experiência digital.
Algumas iniciativas nesse sentido começam ser pensadas e colocadas em prática. A Ducati, marca italiana de motocicletas que pertence à Audi, realizou na semana passada sua primeira transmissão digital no país para apresentar um novo produto, a Scrambler Icon. Para Diego Borghi, CEO da Ducati no Brasil, as marcas já enxergavam as lives como opção de entretenimento, mas, agora, elas também serão observadas como uma opção de estratégia para os negócios.
“A Ducati deve buscar uma combinação das diferentes formas de mídia para alcançar o público, pensando sempre em gerar uma experimentação ainda melhor para o usuário. Neste momento crucial, as ferramentas digitais, como as lives, vieram pra ficar e, daqui pra frente, serão aliadas das apresentações e ações físicas. Vale lembrar que há algum tempo a Ducati World Premiere já é transmitida online e apresenta as novidades da marca para o ano seguinte”, revela.
O executivo comenta também que a rede de concessionárias compreendeu rapidamente que usar as ferramentas digitais era o caminho a seguir nessse momento. “A live não é só uma tendência, mas uma realidade de mercado. Provavelmente, teremos alinhamento entre o físico e o digital. A live veio para revolucionar a parte de experimentação de produto. Por exemplo, a Ducati estuda no futuro passar a transmitir algumas cápsulas do nosso Ducati Riding Experience em um dos canais digitais da marca. Também queremos passar a transmitir ao vivo outros eventos e ações importantes da marca, como a inauguração de novas concessionárias e, assim, alcançar ainda mais pessoas”, afirma.
O setor de moda é um dos mais impactados, pois suas apresentações de coleções e desfiles – muito importantes para estimular as vendas – precisam ser idealizados para o ambiente online. Para Marcella Kanner, gerente de marketing da Riachuelo, as marcas vão ter de repensar as formas de como se conectar com o consumidor.
“Não sabemos até quando vai essa pandemia. Então, as lives acabam sendo uma ferramenta de mídia muito poderosa para fazer eventos e apresentar coleções. As pessoas estão dispostas a assistir e temos de conseguir transportar as nossas emoções para lá. A Riachuelo sempre procurou surpreender o público realizando eventos com muita experiência e insights inovadores. Com isso, o desafio é entender como manter a interação e o calor humano também nas plataformas digitais. Está todo mundo ainda descobrindo como fazer isso, mas acho superpossível. É um caminho sem volta”, diz.
Ainda segundo a profissional, além dos eventos, a experiência digital também será refletida nas lojas físicas. “Os pontos de vendas já estavam sendo transformados em ambientes com experiências cada vez mais digitais. O que acontece agora é que percebemos que o consumidor está muito conectado e aberto para essas novidades. Então, este movimento será muito interessante para observar o comportamento do consumidor quando as lojas físicas voltarem a funcionar”, comenta.
O caminho das lives acaba sendo obrigatório para que as marcas sigam fazendo negócios, em casos como o da Huawei, que precisou cancelar o evento de lançamento do seu modelo P40 Series, mas o fez de forma online no fim de março. Com o término das quarentenas, a tendência é que o mundo físico retome o protagonismo de diversas ações de comunicação e mesmo das vendas, mas a sensação do mercado é que nada será como antes e o digital terá uma função ainda mais importante na jornada de consumo e na conversão.
Planejamento
Especialistas estão de olho no fenômeno e em como as lives podem fazer parte de uma experiência digital mais ampla e dirigida à geração de negócios. “O brasileiro aderiu rápido a esse modelo de conteúdo e podemos ver recordes de audiência em tempos de isolamento social. Não será diferente depois desse cenário e, se bem planejada, uma live pode, sim, gerar bons resultados com o uso de call to action, QR Codes e estratégias de descontos para impulsionar vendas, por exemplo”, explica Leo Belquiman, content team leader da agência Oliver.
Ele é responsável pelo cliente Intuit, uma empresa do Vale do Silício que atua no Brasil desenvolvendo softwares de gestão financeira, e está envolvido em um projeto para a criação de uma série de lives com o objetivo de estimular negócios. “Do entretenimento à captação de leads, do engajamento aos resultados de vendas, o importante das lives é se mover rápido para se conectar com o público que está diante de uma transformação nos seus hábitos de consumo e de relações com marcas e pessoas”, completa.
Para Belquiman, as lives são um formato que funcionará para negócios em diversos segmentos. “O e-commerce mostrou uma ótima atuação nesse cenário, de forma rápida e eficaz. A indústria de serviços e tecnologia também pode se beneficiar muito desse formato, pois não depende de um produto físico, de uma complexidade tão grande de operação. Negócios locais também podem trabalhar o engajamento de comunidades mais nichadas e usar do formato para alavancar vendas e relacionamento com os clientes”, avalia ele.
Marcelo Tripoli, sócio-associado da McKinsey, avalia como grande o potencial da mistura de e-commerce e lives. “Há um aumento do comércio eletrônico nessas últimas semanas, e as lives são naturalmente uma ferramenta que surge para gerar venda. Na minha opinião, vai aumentar muito o uso delas para negociar produtos online. Quando falamos de lives, hoje, pensamos em milhões assistindo a um conteúdo, mas elas serão muito fortes para públicos nichados. O futuro será trabalhar com microssegmentos e podemos ver futuramente mais lives exclusivas, com promoções e participação mediante convites”, avalia.
Ele acredita que o uso do QR Code, que era algo que nunca foi tão adotado pelos brasileiros, agora tem funcionado muito bem como resposta direta. “A live é uma coisa que veio para ficar. Precisamos pensar nas mecânicas para explorar o real potencial disso, porque pode gerar negócios”, avalia. Tripoli compara o movimento com a “Direct Response TV” que sempre existiu na TV, com a venda de produtos ao vivo. “Veremos isso de maneira mais forte, mas agora na internet. Haverá muitas lives de demonstração de produto, com entretenimento mais orientado à venda”, avalia.
Flaviano Faleiro, diretor-executivo da Accenture Interactive na América Latina, pontua que as lives têm a vantagem de engajamento, mas devem ser pensadas como parte de uma estratégia maior, com propósito e recriando uma experiência física no mundo digital. “É uma estratégia eficiente para gerar awareness e conectar marcas com audiência. As lives fazem parte da caixa de ferramentas que temos à disposição e devemos usar na hora certa. Mas não podemos achar que é só isso que resolve a questão de reinventar experiências”, pondera o executivo.
Ele reflete que o consumidor não vai voltar a ser o mesmo e os impactos da digitalização ocorrerão em todos os setores da economia, de alguma maneira. Nesse cenário, as lives são mais uma forma de interação das marcas com audiência e fazem parte de um momento maior de reinvenção, em que deve-se tomar cuidados básicos como a qualidade do conteúdo e o risco de saturação. Segundo ele, vários clientes têm procurado a Accenture Interactive para ajudá-los a recriar experiências no mundo digital, e as lives são uma das ferramentas que podem ajudar nessa interação.
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