Google e Facebook na Austrália: caso pode ocorrer no Brasil?

1 de março de 2021 às 14:22


Proposta de lei que fez com que plataformas pagassem por conteúdo jornalístico pode repercutir em outras partes do mundo

Thaís Monteiro

Na semana passada, o governo da Austrália e os publishers do País conseguiram algo inédito: que o Google e o Facebook concordassem em pagar pela publicação de notícias em suas plataformas. O feito foi resultado de um processo de quatro meses, mas que teve início quando a Comissão Australiana de Concorrência e Consumidores submeteu uma proposta de lei que deveria pagar pelas empresas jornalísticas. O caso abre precedentes para que o mesmo seja feito em demais países.

Para Folha de S. Paulo, avanço de tais projetos é irreversível (Crédito: Dolphfyn/iStock)

Depois de anunciada em setembro, o Google e o Facebook reagiram negativamente à proposta. Se fosse aprovada, o Facebook afirmou que deixaria de permitir que usuários publicassem notícias nacionais e internacionais no Facebook e Instagram e proibiria páginas de publishers nas redes, afirmação essa que se confirmou em 17 de fevereiro, quando a empresa vetou o compartilhamento de links de notícias por usuários e páginas de notícias australianas. Já o Google pontuou que o desfecho do projeto de lei poderia piorar os resultados das buscas na Austrália.

Nessa disputa, outra empresa do ramo digital aproveitou o momento para tentar ganhar mercado. Em uma publicação no blog da empresa, Brad Smith, presidente e diretor jurídico da Microsoft, escreveu que os Estados Unidos deveriam adotar uma proposta semelhante e a empresa entrou em contato com o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, para dizer que ficariam felizes pelo Bing, seu buscador, permanecer no país, tomar parte do mercado e pagar as taxas aos publishers.

Porém, nesta última semana, o Google anunciou uma parceria de três anos com a News Corp, grupo de comunicação fundado na Austrália, pela qual o buscador pagará aos veículos da empresa pela sua produção jornalística e desenvolverá uma plataforma de assinatura, incentivo ao jornalismo de áudio e vídeo pelo YouTube, bem como compartilhamento da receita de anúncios por meio dos serviços de tecnologia de anúncios do Google. A News Corp apoia a proposta de lei australiana e tem sido uma das vozes mais ativas nesse movimento.

Já o Facebook suspendeu a restrição que fez à publicação, visualização e compartilhamento de notícias por usuários e páginas na sua plataforma na Austrália e concordou em apoiar um grupo de veículos de imprensa que eles elegerem, incluindo os pequenos e os locais.

Essa é uma demanda antiga dos players e não só na Austrália. Em abril de 2020, a Autoridade da Concorrência da França estabeleceu que o Google deveria companhias editoriais e agências de notícias francesas pela reutilização de seus conteúdos. De acordo com o CNBC, a empresa também firmou 120 veículos britânicos, incluindo The Financial Times e Reuters. No Canadá, o Ministro do Patrimônio, Steven Guilbeault, afirmou que planeja uma lei semelhante.]

Para Eric Messa, coordenador do Núcleo de Inovação em Mídia Digital da FAAP, as empresas de tecnologia cederem o quanto puderam para enfrentar essa questão. “O surgimento das plataformas sociais interferiu diretamente no modelo de negócios de diversos setores, entre eles o jornalismo que, até agora, não encontrou uma solução sustentável”, aponta, sobre a raiz do problema. Segundo ele, o ocorrido na Austrália aponta para uma nova etapa de um longo processo de revolução que vem acontecendo na indústria de notícias.

Eduardo Tessler, sócio-diretor da consultoria Midia Mundo, observa que essa é uma discussão permanente em encontro de empresas jornalísticas no Brasil, mas acredita que ainda falta uma organização em conjunto. “Não existe uma linha comum de proposta. A Folha de S. Paulo foi a única publicação brasileira a decidir pular fora do Facebook. Todos os demais consideram-se reféns das redes sociais para atrair audiência”, avalia. Para ele, a concorrência de mercado faz com que os veículos não se unam em questões maiores. De qualquer forma, sua análise é de que é apenas uma questão de tempo para que o mesmo assunto seja tratado mundo afora.

A Folha de S. Paulo decidiu parar de publicar seu conteúdo no Facebook em fevereiro de 2018 após as mudanças no algoritmo da rede social, que privilegiaram publicações de usuários e diminuiu o alcance de posts de marcas e publishers. Antônio Manuel Teixeira Mendes, superintendente do jornal, pontua que as empresas de tecnologia se aproveitaram de um momento de vazio jurídico das empresas de mídia e se apropriaram de todo o conteúdo, audiência e publicidade.

“Então há um movimento agora em que, da mesma maneira que os gigantes de tecnologia ocuparam esse espaço e tomaram conta, agora me parece que há a volta de uma certa racionalidade dos governos nacionais. Essas empresas são empresas globais que não se sujeitam a regras de nenhum país específico e ocuparam espaço e agora a tendência é que isso se acerte porque as empresas de mídia não podem mais serem provedores de conteúdo sem ter o benefício do conteúdo produzido”, afirma.

Segundo o executivo, esse movimento é irreversível e basta acertar os valores e quais métricas são as melhores para avaliar como a distribuição da quantia reservada por tais empresas.

Contexto
Tessler diz que o Google e o Facebook justificam sua negação à pagar pela circulação de notícias com a regra de o que está na rede é público, mas apenas as plataformas digitais se beneficiam nessa conta. “Google e Facebook conseguem fazer uma notícia curiosa produzida no interior do Piauí, por exemplo, repercutir no Brasil e no mundo. Mas, uma vez que as gigantes de tecnologia utilizaram esse conteúdo para gerar mais e mais audiência – e vender publicidade -, o pequeno veículo do interior piauiense quer uma fatia dessa bolada”, exemplifica.

“Uma empresa jornalística com ótimos números de curtidas e compartilhamentos no Facebook possivelmente terá bons índices de Páginas Vistas. Só que isso não dá dinheiro, não paga a conta. Sem uma estratégia digital de retenção da audiência, de tempo de navegação por visita, nada faz sentido”, argumenta.

De fato, o valor do conteúdo nas próprias plataformas sociais é grande pela sua alta propagabilidade entre os usuários. De acordo com a última edição do estudo “Mídias Sociais 360º”, desenvolvido pelo Núcleo de Inovação em Mídia Digital da FAAP em parceria com a Socialbakers, páginas de marcas chegam a realizar sete publicações por dia, enquanto páginas de mídias e notícias fazem em média 52 publicações. Destas publicações, as marcas alcançam cerca de 850 compartilhamentos por post enquanto as páginas de mídias e noticias conseguem em média 1215 compartilhamentos por post.

Como forma de manter esse engajamento no conteúdo mas sem gerar tráfego para os públishers, o Facebook criou em 2019 o hub Facebook News, em que constitui parcerias com publishers e faz uma curadoria de notícias em que, ao clicar nelas para ler o conteúdo, o usuário não é direcionado para fora do aplicativo ou página da web do Facebook. O serviço ainda não foi lançado no Brasil.

“Há uma distinção que precisa ficar clara: uma coisa são os links de notícias que são compartilhados dentro das plataformas que, quando clicados, levam para sites externos dos portais de notícias. Por tirarem o usuário da plataforma, os algoritmo costumam reduzir o alcance dessas publicações, prejudicando as páginas e incentivando que sejam realizados impulsionamentos pagos. Outra coisa são os conteúdos noticiosos produzidos dentro da própria plataforma que ajudam inclusive a manter o usuário mais tempo na plataforma”, explica Messa.

Desde que diminuiu o alcance de publishers em 2018, o Facebook tem investido em parcerias de fomento ao jornalismo, inclusive com a Folha. Da mesma forma faz o Google seja investindo em startups, criando programas para auxiliar publishers no uso de tecnologia ou em parcerias para coberturas e novas ferramentas.

**Crédito da imagem no topo: Absolutvision/Unsplash

Fonte: Meio&Mensagem


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