Empresas ganham valor e confiança com mais ação e menos discurso

14 de abril de 2020 às 12:12


Propósito norteia comunicação, mas atitudes práticas geram credibilidade aos anunciantes; cenário é benéfico para conteúdos que encurtem distâncias

Por Danúbia Paraizo

14 de abril de 2020 | 08:00

Confiança, responsabilidade e informação. Este tem sido o tripé das marcas que estão gerando valor e relevância em tempos incertos de pandemia. Segundo o relatório Edelman Trust Barometer 2020, que fez um levantamento no Brasil sobre o grau de confiança da população nas marcas durante a propagação da Covid-19, são bem percebidas aquelas que seguem essa tríade da responsabilidade com propósito e ação.

Não à toa, para 91% dos brasileiros, é necessário que as marcas façam o que é certo, enquanto para 85%, as empresas devem assumir o compromisso em garantir os empregos de seus colaboradores. Não distante, 73% das pessoas gostariam que seu empregador compartilhasse informações sobre o novo coronavírus pelo menos uma vez ao dia.

Os números trazem um panorama sobre o direcionamento que as marcas podem seguir num cenário em que as ações e a postura para o público interno e externo dizem tanto ou até mais que o simples discurso. Para Ariel Grunkraut, VP de marketing do Burger King Brasil, pelo tamanho de algumas marcas, elas precisam fazer mais e, apesar de em momentos críticos muitas empresas se recolherem com receio de reações negativas, é essencial que as companhias tomem posições.

Grunkraut, do BK: foco na segurança, proteção e higiene dos públicos interno e externo

“Nosso papel é maior que vender hambúrger. Mais do que nunca é o momento de fazer, antes mesmo de falar. Isso vale para todas as marcas. Por isso, pensamos em fazer algumas ações, sermos transparentes e ajudar as pessoas com informações”.

O Burger King foi uma das primeiras empresas a veicular campanha incentivando o distanciamento social. Reunindo filmagens caseiras de pessoas que passavam pela quarentena, o filme criado pela David São Paulo trazia com bom humor algumas ideias do que fazer em casa, além do mote Você está isolado, mas não sozinho. Um outro filme, desta vez protagonizado por Iuri Miranda, presidente da companhia no país, apresentou quais seriam as medidas de segurança, higiene e proteção de colaboradores e consumidores finais.

“Informação tem sido fundamental. Aproveitamos esse filme com o presidente para anunciarmos que estaríamos também contribuindo com a sociedade de alguma maneira. Fizemos uma doação de um milhão de reais para o Ministério da Saúde para a compra de equipamentos de proteção individual dos profissionais que atendem o SUS”, destaca Grunkraut.

Reis, da Leo Burnett: propósito das marcas deve estar na essência

Para Marcelo Reis, co-CEO e CCO da Leo Burnett Tailor Made, a tríade pessoas, marcas e sustentabilidade só tende a crescer dentro das grandes empresas. Ao mesmo tempo, se a marca não tiver esse propósito em sua essência, não adianta querer surfar a onda antes, durante ou depois da pandemia. A autenticidade, cada vez mais, ganha força na sociedade. “As pessoas esperam que suas marcas sejam exemplo e guiem a mudança, trazendo soluções práticas e que ajudem suas vidas. As marcas que já faziam isso, e reforçaram sua atuação durante a crise, devem continuar pós-pandemia”.

A lógica é compartilhada por Kevin Zung, COO da WMcCann. O executivo destaca que, em momentos de crise, a população espera que as marcas tomem alguma atitude. Nesse sentido, as prioridades devem mudar. “Estamos vendo empresas irem além do seu core business para ajudar as comunidades, fornecedores e clientes. Quando vemos a GM parar de produzir carros para consertar respiradores, ou empresas como a Lupo fazendo máscaras para hospitais, a gente percebe que nada vai ser como antes. As prioridades mudaram”.

Prioridades das empresas mudam para o bem coletivo, diz Zung

Sem volta
É consenso entre os profissionais de comunicação e mar- keting que a pandemia mudou as relações humanas e, consequentemente, a maneira de as marcas se relacionarem com as pessoas. Para Eduardo Picarelli, diretor do portfólio Craft e Não Alcoólicos do Grupo Heinekenno Brasil, esse novo contexto fez com que pessoas e marcas enxerguem a vida de forma diferente do que faziam antes. “A vida já está mudando, não precisaremos esperar até o fim da pandemia para afirmar que é um caminho sem volta”, destaca.

Para o executivo, ao mesmo tempo em que o digital passa a ser o grande protagonista, faz também com que o consumidor seja impactado por uma quantidade infinita de informações. “Será através de um propósito claro e bem definido que as marcas se tornaram relevantes para os consumidores. Por quê? Porque o propósito trará afinidade e proximidade”.

Foi com esse pensamento que o grupo Heineken criou o movimento Brinde do Bem, com objetivo de ajudar os estabelecimentos de todo o país a manter empregos, pagamentos e salários em dia. A ideia é que a companhia dobre as doações de consumidores feitas no site do projeto, no período de 3 de abril até 31 de maio de 2020.

Picarelli, do grupo Heineken: impacto positivo nos pequenos negócios

“Pensar nos comerciantes menores foi uma maneira de impactarmos positivamente a parte mais afetada da nossa cadeia de valor, que são os bares. Atualmente, estes estabelecimentos movimentam ao ano mais de R$ 200 bilhões e geram por volta de 6 milhões de empregos. Isso representa quase 2,5% do PIB. Muitos desses bares correm o risco de fechar por conta da pandemia”, ressalta Picarelli.

Recentemente, a Ambev também anunciou medidas nesse sentido com o projeto de Stella Artois. O movimento Apoie um Restaurante criou uma plataforma de doações onde os consumidores poderão comprar vouchers para serem utilizados após a crise e receberão o dobro para o consumo. O valor total será doado pela marca aos comerciantes. Na semana passada, Nestlé e Nespresso também aderiram, ampliando a ação para cafeterias e confeitarias.

“A chave para a solução dessa crise é a colaboração. Essa será a grande lição que a pandemia vai nos trazer. Estamos de olho nas melhores práticas do mundo e entendemos que, em momentos como esse, todos podem e devem fazer tudo que está ao seu alcance. E o setor privado, do qual fazemos parte, têm responsabilidade fundamental nesse cenário”, destaca Ricardo Dias, CMO da Ambev.

Dias, da Ambev: colaboração será ainda mais essencial

Colaboração
A palavra solidariedade tem sido exercitada na prática neste cenário, dando novo significado para as parcerias entre marcas. A colaboração funciona como ferramenta para amplificar as boas ações. A Alpargatas, por exemplo, lançou o movimento Empatia Gera Empatia, que convida empresas a se unirem para doações e iniciativas sociais. Com o mote Vista as sandálias, que sugere que as pessoas se coloquem no lugar das outras, Havaianas, que faz parte do grupo, vai doar mais de 100 mil kits de higiene e limpeza em parceria com a Colgate-Palmolive em comunidades vulneráveis.

O mesmo sentimento motivou também empresas como Fundação Casas Bahia, Grupo Pão de Açúcar (GPA) e Paypal a apoiarem o Fundo Periferia Empreendedora, projeto emergencial de crédito que apoia microempreendedores em comunidades. Idealizada pela escola de negócios Empreende Aí, a plataforma de financiamento coletivo Firgun e a Impact Hub, a iniciativa prevê incentivos a negócios como salões de beleza, barbearias, oficinas de costura e reforma, entre outros serviços mais impactados pela pandemia.

Para Othon Vela, diretor de marketing do Pão de Açúcar, toda essa mudança de cenário tem ressaltado as empresas que trabalham com base em seus propósitos. Para o executivo, esse será um valor que fortalecerá cada vez mais a conexão com os consumidores daqui para a frente. “Em meio à pandemia, entendemos que esse propósito se refletiu por meio da nossa missão, enquanto agentes transformadores da sociedade, de trabalhar para manter as lojas abastecidas e seguras para os nossos consumidores e colaboradores e de investir em nossa capacidade de entrega em domicílio”.

Novo normal
As condições de isolamento social criaram a necessidade de novas maneiras de fazer comunicação. Não apenas do ponto de vista da mensagem, mas também de formatos. Ainda que recursos como transmissões ao vivo no YouTube, por exemplo, não sejam novidade, seu uso tem ganhado abordagens e aplicações diferentes no contexto de quarentena.

No último dia 8 de abril, por exemplo, a cantora sertaneja Marília Mendonça entrou para a história da internet ao se tornar a transmissão mais vista do YouTube. Foram 3,3 milhões de acessos simultâneos. A artista realizou um show de mais de três horas em casa. A live foi patrocinada pela Havaianas e Stone, como forma de incentivar que a população priorize as compras em pequenos negócios locais durante a pandemia. A fintech anunciou ainda R$ 30 milhões em iniciativas como isenção de mensalidade e redução de taxas, além de R$ 100 milhões em microcrédito para os negócios mais atingidos com a crise.

Uma semana antes, Brahma Duplo Malte, Rappi, Claro e Magazine Luiza patrocinaram a live da dupla Jorge e Mateus. Batizado de Live na Garagem, o projeto teve duração de mais de quatro horas de show e a doação de mais de 216 toneladas de alimentos, além de 10 mil frascos de álcool em gel. A iniciativa foi produzida pela J&M Produções, em parceria com R2 Produções, Brahma e suas agências Africa e Draftline.

Live na Garagem, com a dupla Jorge e Mateus, no YouTube, arrecadou mais de 16 toneladas de alimentos; patrocínio foi da Brahma

Para Dias, da Ambev, o momento é desafiador para a conexão das marcas e seus consumidores, e as ferramentas digitais ganham papel de entreter, informar e conscientizar. “As lives surgem como uma ótima forma de interação e entretenimento. Porém, mais do que isso, esse formato se mostra capaz de conectar as pessoas em suas casas com suas famílias e amigos, com os artistas e com uma causa comum a todos nós”.

Diante das experiências e aprendizados com esses recursos, a tendência é que eles se normatizem e abram oportunidades. Essa é a aposta de Rafael Donato, VP executive creative director da David. “Certamente, quando a gente sair dessa, todo mundo vai estar craque nesse relacionamento à distância. Eu enxergo com otimismo essa mudança. Por mais que tenha sido forçada, nos ajudou a encontrar novas soluções e isso me deixa empolgado como comunicador. Não são tecnologias novas, mas o preconceito em comprar online ou pedir um delivery tende a não existir mais. A ideia de live não ser a mesma coisa que um show presencial, também. Esses preconceitos vão cair por terra porque as experiências não precisam ser menos genuínas ou autênticas por serem no digital”.

Rafael Donato, da agência David: “Preconceitos com o digital cairão por terra”

Separados, mas juntos
A produção audiovisual também foi adaptada, assim como os objetivos das entregas de conteúdo. Para Fernando Taralli, CEO da VML, com o distanciamento social, todo o mercado precisou sair da zona de conforto. “Isso gera muita apreensão e instabilidade, mas, ao mesmo tempo, abre muitas janelas de oportunidades. É, praticamente, um exercício criativo coletivo, em que todos estão buscando formas de se adaptar”.

Taralli, da VML: adaptação é palavra de ordem

Enquanto, de um lado, agências e produtoras precisam recorrer a edição de imagens, filmagens caseiras e um bom roteiro para substituir as produções feitas fora de casa, que estão suspensas em todo o Brasil. Por outro, as marcas estão priorizando olhares e narrativas que sejam úteis, informem e entretenham.

A Wieden+Kennedy São Paulo, por exemplo, criou a campanha de Páscoa da Lacta se baseando em apenas uma imagem dividida em duas em referência ao distanciamento exigido durante a pandemia. São quatro filmes que exploram diferentes tipos de relação, como vó e neto, irmãos, mãe e filha e médicos. As cartas narradas pelos personagens trazem as dores da distância em um período festivo como a Páscoa, mas reforçam o amor e os laços que os unem.

Já a Mastercard trouxe suas contribuições para tornar o isolamento mais produtivo. Usando o recurso de websérie, a marca de pagamentos convidou o chef Alex Atala para estimular as pessoas a criarem novos hábitos. Com criação da WMcCann e produção da Endemol Shine Brasil, os vídeos no YouTube abordam temas como gastronomia consciente, sustentabilidade e bem-estar.

“A iniciativa quer levar conteúdo de qualidade e uma mensagem positiva neste momento. A companhia acredita na força das conexões e, com este material, desejamos que o nosso consumidor insira novos hábitos em sua rotina e viva momentos que não têm preço ao lado daqueles que ama. Mais do que nunca, acreditamos em permanecer sem contato, mas unidos”, diz Sarah Buchwitz, VP de marketing e comunicação da Mastercard Brasil e Cone Sul.

PropMark (14.04.20)


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