Comunicação do poder público é essencial no combate à pandemia

26 de maio de 2020 às 11:07


O desalinhamento do discurso entre o presidente e o Ministério da Saúde é um fator crítico; governos estaduais e municipais têm feito mais ações

Por Kelly Dores

Campanha do governo de São Paulo aborda a morte de profissionais da saúde por Covid-19 e reforça a necessidade de ficar em casa

Enquanto uma vacina contra a Covid-19 não surge, a comunicação tem sido apontada como uma das principais aliadas no combate à doença. Porém, preferências políticas à parte, especialistas consultados pelo PROPMARK afirmam que a comunicação do governo federal para o enfrentamento da pandemia deveria melhorar. O desalinhamento entre o discurso do presidente Jair Bolsonaro e o Ministério da Saúde, que já culminou com a saída de dois ministros da pasta, é um dos principais problemas, mas não é o único.

Uma rápida pesquisa nas redes sociais do Ministério e da Secom (Secretaria Especial de Comunicação) mostra a falta de informações didáticas à população sobre cuidados simples como o uso de máscara e a necessidade de higienização das mãos para prevenir a disseminação do coronavírus. Peças publicitárias são ainda mais tímidas. Não há uma ampla campanha. Por outro lado, governadores e prefeitos têm utilizado mais a comunicação como ferramenta para alertar a sociedade sobre o perigo do vírus.

Fábio Vasconcellos: “Até os ‘passeios’ do presidente atrapalham”

“Hoje, nós temos um discurso nas peças publicitárias, ainda tímido, a meu ver, e um segundo discurso coordenado pelo presidente da República. Em sistemas presidencialistas, o chefe do Executivo detém uma grande capacidade de despertar a atenção e de influenciar a agenda pública. O maior problema está nesse desalinhamento entre o Ministério da Saúde e a Presidência. Embora ambos tenham funções distintas, a agenda e os discursos do presidente têm criado enorme prejuízo na comunicação, desviando a atenção para questões paralelas, que poderiam ser evitadas no momento, ou argumentos que mais confundem do que ajudam, como a questão da cloroquina, a não necessidade de isolamento ou o tal do isolamento vertical. Até mesmo os ‘passeios’ do presidente pelos arredores de Brasília atrapalham, porque transmite uma outra informação para a sociedade”, ressalta Fábio Vasconcellos, especialista em estratégia de comunicação política e professor da ESPM Rio.

Para Vasconcellos, o governo faz uma campanha tímida via posts e notas da assessoria de imprensa ou do Ministério da Saúde. “O momento, na verdade, é muito propício para campanha de baixíssimo custo, via free mídia. A imprensa e a sociedade, pelo menos boa parte dela, estão engajadas no tema da Covid-19. Um alinhamento do discurso entre o Ministério da Saúde e da Presidência, no sentido de compreender que o momento é grave e precisa de cooperação de todos, já seria um forte ganho, ajudando a fazer circular a mensagem. Mas como o governo, especialmente o presidente, tem uma compreensão distinta do momento ou da ordem de prioridades, essa campanha não avança. Restaria, portanto, campanha paga, isso se houver esse alinhamento do discurso dentro do governo”, acrescenta o professor.

O embate do presidente com os governadores em relação à necessidade do isolamento social para combater a disseminação do vírus é outro fator apontado para agravar o cenário no Brasil. “O presidente teve e tem uma enorme dificuldade de aceitar que saúde e economia são indissociáveis. Ele tentou fazer algum ajuste no meio da pandemia, mas logo depois voltou a insistir no debate econômico tendo preponderância sobre a questão da saúde. O custo social e político será elevadíssimo. Faltou perspicácia ao presidente. Você dá o choque, com a adoção do discurso pró-isolamento, tem uma perda brutal econômica inicialmente, mas cria as condições para uma recuperação econômica mais rápida ali na frente. Como o discurso foi contrário, muitas vezes vacilante, outras vezes mais confundiu que esclareceu, está aí o embate do presidente com governadores, temos essa sensação, que é real, que a situação no Brasil tende a ser muito mais grave que em outros países”, destaca Vasconcellos.

Eduardo Prange: “Série de iniciativas isoladas e desalinhadas”

Como não bastassem as polêmicas declarações de Bolsonaro em meio à crise de saúde sem precedentes, que agravam ainda mais o cenário econômico, a avaliação é de que existe um desalinhamento comunicacional muito acentuado por parte dos diferentes interlocutores do governo, o que acaba tornando ainda mais prejudicada uma pauta que, por sua natureza, já é absolutamente delicada. “Entendo que existam esforços para uma comunicação mais efetiva, entretanto o que vemos é um constante descompasso entre os pronunciamentos dos diferentes líderes do governo e o presidente da República. Acredito que seja necessária uma orquestração mais profissional sobre os esforços de comunicação do governo para que sejam mais coerentes e integrados, afinal o que a gente acaba vendo é uma série de iniciativas isoladas e desalinhadas”, avalia Eduardo Prange, CEO da Zeeng.

PLANEJAMENTO
O planejamento em comunicação e marketing é visto como fator-chave para momentos de crise como o que estamos vivendo. “As declarações do presidente apresentam uma oportunidade de ele se preparar melhor para comunicar com os seus públicos de interesse. Vejo uma notória perspectiva de ele realizar um media training, por exemplo. Além de desenvolver um planejamento de comunicação e marketing, envolvendo seus ministérios e até lideranças de outros poderes que envolvam um relacionamento aberto, transparente e não-reativo com os canais de comunicação. A ausência desta preparação é o pavio para as declarações muitas vezes fora do contexto, ou com margem para interpretações desconexas”, afirma João Chebante, da Sucellos.

Fernanda Antonelli: “Lideranças inspiradoras costumam ter o poder de unir as pessoas”

Na opinião de Fernanda Antonelli, managing director da Wieden+Kennedy São Paulo, governos são lideranças e lideranças inspiradoras costumam ter o poder de unir as pessoas por um objetivo, cuidar dos mais necessitados e, claro, educar a sua população. “A campanha de governo na mídia é apenas uma entre várias outras formas de fazer uma mensagem chegar à população. Mas sozinha não faz milagre. É preciso estar acompanhada por discursos de líderes na mesma linha e de ações práticas. E de exemplo. Sempre”, analisa ela.

Embora a comunicação possa fazer toda a diferença neste momento, vale lembrar que ela precisa ser usada com responsabilidade. “Infelizmente estamos passando por isso, e toda essa situação tem disparado uma cadeia de ansiedades. Isso faz com que as pessoas absorvam informações que chegam por todos os lados. Elas estão prestando muita atenção no que dizem as grandes marcas e os governos, mas no meio disso existem as fake news para tumultuar o processo. É preciso ter calma e precaução para se comunicar. Com responsabilidade e continuidade”, alerta Murilo Melo, diretor de criação da Wunderman Thompson.

Para o criativo, a comunicação dos governos, em todas as suas esferas, é de ordem fundamental, uma obrigação. “Entretanto, é preciso que os governos tenham muita clareza sobre o conteúdo dessas mensagens. Envolve uma grande responsabilidade, pois vai impactar no comportamento das pessoas. Orientações corretas podem salvar vidas, enquanto orientações enviesadas ou precipitadas podem piorar a situação e colocar os pequenos avanços a perder”, destaca Melo.

Murilo Melo: “É preciso ter calma e precaução para se comunicar”

Na opinião de Sergio Lima, fundador da agência S8WOW, é necessária a adoção de protocolos de comunicação que estejam alinhados com o perfil do governo federal, com o estilo do presidente da República. “Eu concordo que existem pontos a evoluir, mas é uma avaliação que cabe à Secom e ao presidente”, fala ele. A Secom e o Ministério da Saúde foram procurados pela reportagem do PROPMARK – a Secom afirmou que os questionamentos sobre as ações de comunicação do governo no combate à pandemia deveriam ser encaminhados ao Ministério que, por sua vez, não retornou o contato.

SÃO PAULO
Estado mais afetado pela pandemia da Covid-19, São Paulo começou a fazer campanha trazendo informações sobre o coronavírus antes do início da quarentena, informa o secretário de Comunicação do governo, Cleber Mata. “Nós chamamos o David Uip para ser protagonista do primeiro filme e fomos o primeiro estado a fazer uma campanha sobre o coronavírus”, diz ele.

Cleber Mata: “No momento, a comunicação é a vacina”

O secretário afirma que o governo já está no quarto filme sobre a pandemia. “Desta vez, a campanha é um pouco mais dramática, mostrando os profissionais da saúde que morreram por causa da doença. Criou-se uma máxima de que abrindo leitos de UTI você salva as pessoas, mas não é só isso. De cinco pessoas que vão para UTI, uma morre. Então, a letalidade da doença é muito forte. O nosso trabalho é transformar o fique em casa como sinônimo de prevenção. Essa é a coluna vertebral da narrativa que tem se consolidado. Ao final do filme, um médico fala da importância de as pessoas ficarem em casa”. A criação da campanha, veiculada na TV paga e aberta e canais digitais, é da agência Propeg – Lew’LaraTBWA e Z515 também atendem o governo de São Paulo.

Mata ressalta que há dois aliados para combater o vírus hoje: a ciência e a comunicação. “O maior aliado dos cientistas é a comunicação. Só com comunicação eu entro na casa de 46 milhões de pessoas em São Paulo, de forma didática e pedagógica. No primeiro filme, a gente mostrou o quão é importante hábitos de higiene como lavar as mãos e fomos aperfeiçoando. Agora já entramos na fase de mostrar que estamos perdendo médicos e enfermeiros. É triste, mas é real. Já temos outros filmes sendo preparados para entrar após o final desta campanha. Nós chegamos a um ponto em que ou a gente apresenta de forma pedagógica o problema ou nós perderemos essa guerra. Enquanto a ciência não apresentar a vacina, eu digo que a comunicação é a vacina”, destaca o secretário.

Outro recurso foi apostar em ferramentas novas de comunicação e abrir um canal do governo de São Paulo no Tik Tok. “Trata-se de uma rede que atinge sobretudo os jovens e há cards do governo com 150 mil visualizações. Mal comparando, dá quase um ponto no Ibope. Estamos apostando em ferramentas novas. Para se ter uma ideia, o Tik Tok nos procurou e homologou São Paulo ao lado da Organização Mundial da Saúde e da Cruz Vermelha como uma fonte confiável de informação em relação ao coronavírus. Nós somos um dos poucos governos do país a praticamente entrar na quinta fase de uma campanha, porque a gente sabe que comunicação não é peça acessória nessa guerra”, finaliza o secretário.

Thelma Assis, campeã do BBB 20, protagoniza filme da prefeitura de São Paulo sobre a importância de as pessoas ficarem em casa

A prefeitura de São Paulo também está ativa e recentemente lançou um vídeo criado pela agência Lua utilizando a popularidade de Thelma Assis, a médica que ganhou o BBB 20, para falar sobre a importância de as pessoas ficarem em casa. A prefeitura de Salvador e o governo da Bahia são outros exemplos de como a comunicação pública é fundamental no combate ao coronavírus. Nas redes sociais da prefeitura de Salvador, por exemplo, há vídeos diários com informações sobre o que está sendo feito pelo poder público para evitar a disseminação do vírus, além de informações didáticas que ajudam a salvar vidas. Simples assim.

PropMark (26.05.20)


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