Como funcionam os contratos publicitários dos jogadores de futebol

26 de setembro de 2022 às 18:38


Por Carolina Vilela

Especialistas explicam as burocracias por trás do direito de imagem dos atletas e quais são as vantagens e desvantagens de uma marca se aliar a eles

A menos de dois meses para a Copa do Mundo do Catar de 2022, as campanhas publicitárias voltam os seus olhos para as estrelas do maior evento futebolístico do globo: os jogadores de futebol. Apesar da proximidade da data, não é de hoje que as empresas utilizam do artifício da paixão dos torcedores durante suas peças, ações e ativações.

Segundo Amir Somoggi, especialista em marketing esportivo e sócio-diretor da Sports Value, a relação de adoração entre população e jogador é mais antiga do que se imagina e essa é um dos principais motivos que fazem com a escolha de um atleta em uma campanha seja certeira.

“Desde a Grécia antiga, as pessoas têm uma certa paixão pelo ídolo. Então, o principal motivo do interesse das marcas pelo jogador, pelo ídolo, é essa questão humana e a visão de herói que as pessoas têm dele”, explicou Somoggi.

Com as redes sociais, se tornou cada vez mais comum ver os atletas de futebol fazendo campanhas, inclusive algumas que nada têm a ver com a sua profissão e envolvendo outros esportes, como é o caso do atacante da Seleção brasileira, Neymar Jr., que faz propaganda para a PokerStar.

Mas, no final das contas, como os contratos publicitários funcionam?
Jogadores de futebol, assim como qualquer profissional, têm um contrato de trabalho com o clube que representa. Dentro deste contrato, existem muitos pontos que passam desde o salário recebido, tempo de contratação até os direitos de imagem do atleta, que é relacionado a assuntos como a aparição durante os jogos transmitidos e o uso da imagem em campanhas coletivas do clube. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, o clube não tem direito da imagem do jogador em ambientes fora das quatro linhas.

De acordo com José Sarkis Arakelian, professor de estratégia de marketing da FAAP, uma marca pode patrocinar tanto o clube quanto o jogador porque são marcas distintas.

“A gente precisa se habituar com essa ideia de que um jogador é uma marca. Ele não deixa de ser um PJ, uma representação, um símbolo. Em relação ao jogador que é de um determinado time, ou tem um contrato de patrocínio enquanto o time tem outra, o mercado é bem maduro quanto a isso, não tem o menor problema”, explicou o acadêmico.

Fernando Trein, professor de marketing esportivo da ESPM Porto Alegre ressalta, contudo, que por mais que o clube não tenha influência nos contratos publicitários, existem algumas questões legais que devem ser levadas em consideração e que a transparência entre atleta e clube é essencial.

“Existem alguns aspectos contratuais que devem ser respeitados e o bom senso sempre deve prevalecer. Existem algumas imposições legais, como por exemplo, não pode associar nenhum esporte ou atleta à indústria do fumo. Isso é uma imposição que existe no Brasil. Então, é sempre bom perguntar e conciliar interesses para que não haja nenhum tipo de questionamento, alguma situação indesejada. Não tem uma influência direta do clube nas negociações, mas eu acho que essas conversas entre atleta e instituição têm que ser transparentes”.

Conflitos entre patrocinadores
Assim como os jogadores, os clubes também contam com os seus times de patrocinadores que, de vez em quando, podem não ser os mesmos dos seus atletas. A situação é mais comum do que se parece, e Arakelian lembrou de um dos casos mais famosos no mundo do futebol, que envolve dois dos maiores nomes do esporte na atualidade, Cristiano Ronaldo e Lionel Messi.

“O CR7 era patrocinado pela Nike e jogou uma década no Real Madrid, que era patrocinado pela Adidas. O Messi, ao contrário. Ele é patrocinado pela Adidas e jogou anos no Barcelona, que é patrocinado pela Nike. Enquanto eles estão em campo, em treinamento, dando entrevista pelo clube, eles usam as marcas que patrocinam o time. Agora, nos momentos de lazer, eles usam as marcas que são patrocinados. São contratos e situações distintas”, lembrou o professor da FAAP.

Este caso também foi lembrado por Somoggi e, ambos os especialistas, ressaltaram que o conflito de patrocínio não interfere em nada para nenhum dos lados. Apesar disso, existem alguns casos que ficaram conhecidos pelo conflito.

Em 2021, Neymar Jr. escondeu o símbolo da Nike, patrocinadora da Seleção brasileira, em uma das suas fotos publicadas no Instagram. Na época, o atual jogador do Paris Saint-Germain foi acusado por uma funcionária da empresa de ter tentado forçá-la a fazer sexo oral nele em 2016. A fabricante de materiais esportivos, que patrocinava o atleta na época, rompeu o contrato após ele ter se recusado a colaborar com as investigações internas. A foto foi apagada das redes sociais.

E quanto ao pagamento dessas publicidades?
Como dito anteriormente, o clube e o atleta possuem CNPJs diferentes, mas isso não necessariamente significa que os ganhos de uma publicidade são exclusivamente do jogador. De acordo com Trein, da ESPM de Porto Alegre, tudo depende da situação.

“Em times europeus, quando o jogador acerta a sua imagem para uma empresa de óculos, por exemplo, como a imagem dele está atrelada ao clube, ele [o time] também recebe um valor desse tipo de publicidade. No Brasil, isso ainda é algo pouco utilizado, inclusive, quando o atleta negocia o seu direito de imagem com o clube. De repente, algum direito de imagem veiculado ao clube faz com que a instituição tenha direito a algum tipo de receita. Não existe um padrão, depende do caso”, explicou o acadêmico.

Arakelian reforçou a fala de Trein, ressaltando que, de fato, não há nada que impeça o clube de fazer um acordo quanto a remuneração dessas publicidades.

“Não é comum, mas pode existir dentro desse contrato, um bônus por campanhas individuais. Quando uma marca quer determinado jogador, ela vai fazer o contrato direto com aquele jogador, mas nada impede que exista algum acordo que tenha uma cláusula dizendo ‘se o jogador participar de tal campanha, o clube recebe X valor’”, exemplificou o professor da FAAP.

O bônus e o ônus
As campanhas que trazem os jogadores de futebol como as estrelas tendem a ter uma boa aceitação por parte do público. Isso, inclusive, é o que leva as empresas a investirem cada vez mais neste tipo de estratégia.

Outro motivo apontado pelo professor da Faap é o que os atetas representam para boa parte da população. “Os jogadores representam sonhos para uma determinada parcela da população, principalmente no Brasil, onde a gente tem um contato muito próximo com os jogadores. Eles representam o ideal para muita gente, carregam atributos, carregam valores”, explica.

Com as redes sociais, além de jogadores de futebol, os atletas acabaram ganhando outro título: o de influenciador digital. Esse movimento, segundo os especialistas, é mais comum entre a população mais jovem, composta pelos millenials e geração Z.

De acordo com eles, uma marca se associar a uma imagem do esporte pode ser muito benéfica por conta da mensagem que a prática traz, como determinação, foco e superação.

“Se utilizar do esporte é sempre algo benéfico por tudo o que ele representa. Nesse aspecto, se tem uma boa vantagem. Os jogadores, especialmente aqueles que têm mais destaque e são mais aceitos, acabam sendo mais valorizados e passando uma imagem positiva”, afirma Trein, da ESPM Porto Alegre.

Para Somoggi, outra vantagem é que a empresa não fica refém de todos os atletas daquele clube. “Por exemplo, você tem o Cristiano Ronaldo ou Messi, então você não precisa pegar os jogadores medianos do time para a sua campanha. Você pega só os que têm mais impacto”, apontou Amir.

Mas, assim como qualquer ser humano, jogadores de futebol também estão passíveis de erros e, para os especialistas, este é o ponto de atenção que as marcas precisam ter. Aginal, qualquer envolvimento em polêmicas pode interferir na imagem daquela marca, produto ou serviço.

“A vida do atleta acaba impactando nas marcas. Tivemos vários exemplos disso no mundo, como foi o Tiger Woods, que perdeu todos os patrocínios quando foi revelado que ele tinha casos extraconjugais. Hoje, o Woods voltou ao mercado e tem um nível de faturamento altíssimo, então existe essa possibilidade de volta, mas a verdade é que quando você investe em atletas, você está ‘refém’ das atitudes dele, tanto as positivas quanto as negativas”, completou Somoggi.

Outro caso lembrado por Fernando Trein foi do jogador da Alemanha, Mesut Özil, que perdeu patrocínios por conta de sua relação com Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia.

“Isso é um cuidado que o jogador tem que ter por que, por mais que ele tenha direitos como qualquer cidadão para pensar e fazer algo, ele tem que ter cuidado na hora de expor algumas coisas e esse é um risco que as empresas correm. Se o jogador se envolver em algum problema, isso vai ter uma repercussão maior e a marca vai se preocupar em se posicionar, algumas vezes rompendo o contrato de patrocínio. O jogador precisa entender esse limite”, finalizou Trein.

Fonte: PropMark


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