Cartas em defesa da democracia dividem a adesão de entidades

15 de agosto de 2022 às 14:54


Por Janaina Langsdorff

Todas as pessoas que não aceitam certas aventuras antidemocráticas e ditatoriais deveriam assinar

A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, lida na última quinta-feira (11) no Pátio das Arcadas da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), amealhou a adesão não só de entidades dos mais variados setores da economia. De artistas, escritores e atletas a economistas, banqueiros e empresários, o manifesto atraiu cerca de um milhão de assinaturas desde o seu lançamento oficial, realizado no dia 26 de julho.

O movimento encabeçado pela instituição localizada no Largo São Francisco, região central da capital paulista, reedita a Carta aos Brasileiros, narrada pelo professor Goffredo da Silva Telles Júnior em 1977. Em repúdio ao regime militar, o texto pedia o restabelecimento do Estado Democrático de Direito.

Mais de quatro décadas depois, o documento reafirma a defesa da democracia após ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro. “Não vou assinar cartinha”, disse Bolsonaro em encontro organizado com banqueiros no último dia 8 de agosto.

Divisão
A postura irônica do governo – que já chamou também a Covid-19 de “gripezinha” – segue alimentando a divisão de opiniões, confundindo a população e polarizando segmentos que tentam encontrar formas próprias de proteger princípios essenciais para a construção de uma sociedade justa e mais igualitária.

“Ruptura favorece divisão. A divergência é a galvanização da oposição à postura antidemocrática do presidente”, aponta VanDyck Silveira, consultor de negócios e cofundador da EducPay, que assinou a carta para “cumprir o seu dever cívico”.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) endossaram outros documentos. “Hoje, boa parte das entidades representativas associa a Carta da USP a uma certa ideologia política, o que não é, pois a democracia é de todos”, pondera a publicitária paraense Conceição Golobovante, professora do curso de publicidade e jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Da indústria da comunicação, vem o exemplo da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e Associação Nacional de Jornais (ANJ), que se juntaram para assinar a carta pela Democracia e liberdade de imprensa, divulgada no dia 2 de agosto.

“Optamos por fazer a nossa manifestação específica dos meios de comunicação, a partir do alerta sobre a liberdade de imprensa e a sua associação direta com o Estado de Direito e o respeito aos resultados eleitorais”, posiciona Marcelo Rech, presidente da ANJ.

Signatária também da Carta da FDUSP, Regina Bucco, diretora-executiva da Aner, destaca o trecho do documento articulado em parceria com a Abert e a ANJ, que diz: “Não existe democracia sem liberdade de imprensa. E não existe liberdade de imprensa sem democracia, que tem como pressuposto um Estado de Direito alicerçado no respeito aos resultados eleitorais”.

Fachada da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, no Centro de São Paulo (Divulgação/USP)

Para VanDyck Silveira, a composição de cartas em separado é um erro porque “isso fortalece o governo de Bolsonaro, que aproveita para ironizar o movimento. Todas as pessoas que não aceitam certas aventuras antidemocráticas e ditatoriais deveriam assinar”, insiste Silveira, que esperava uma adesão mais intensa. “Estou decepcionado, pois imaginava ter 10 milhões de assinaturas só na primeira semana”, lamenta o consultor.

Luta
Já a Associação dos Profissionais de Propaganda (APP) confirmou a sua assinatura na Carta da FDUSP. “Desde a sua criação, em 1937, a APP defende os interesses dos profissionais de comunicação. Lutar pelos direitos da nossa democracia é, certamente, uma forma de viabilizarmos cada vez mais a evolução do nosso país e fortalecer a missão da entidade”, comenta Silvio Soledade, presidente da APP Brasil.

O executivo ratifica que hoje não é mais possível tolerar e admitir a limitação de ideias e pensamentos. “A liberdade de expressão é fundamental para a democracia e para o exercício de nossa atividade, respeitando sempre os limites éticos e de regulação. Este manifesto abre espaço para dar forças aos que acreditam num Brasil mais igualitário, plural e diverso”, acrescenta Soledade.

Alto e bom som
A atitude da Federação Nacional das Agências de Propaganda (Fenapro) engrossa a voz que ecoa do setor. A entidade lembra que é inadmissível compactuar com ataques e ameaças após décadas de esforços em prol da doutrina democrática.
“Enquanto entidade representativa do setor publicitário nacional, a Fenapro preza e defende, irrestritamente, a democracia brasileira e as iniciativas que visam preservá-la e fortalecê-la. Por isso, a Fenapro assinou a carta em defesa da democracia elaborada pela Faculdade de Direito da USP”, reitera a instituição.

A Fenapro também incentivou o mercado publicitário a aderir ao documento e a participar, no dia 11 de agosto, do Ato em Defesa do Estado Democrático de Direito, na FDUSP, além de estimular as agências a apoiarem o programa de combate à desinformação do Superior Tribunal Federal (STF).

Exemplo
Na Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom), a participação foi maciça. A instituição foi uma das primeiras a acolher o movimento de entidades empresariais e da sociedade civil – como a carta Em Defesa da Democracia e da Justiça, chancelada pela Fiesp com apoio da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), e também lida no dia 11 de agosto -, além do documento encampado pela FDUSP.

“Entre os motivos da nossa participação, está o desejo expresso pelos nossos associados, reafirmando os compromissos que defendemos desde a nossa criação, em 2002. O nosso mercado não funciona sem a democracia. Liberdade de expressão e livre circulação de ideias são valores fundamentais”, avalia Daniel Bruin, presidente da Abracom. O jornalista aponta a sua preocupação com o crescimento do ambiente de negócios. “Radicalizar piora ainda mais um cenário que não está bom para ninguém. O país não pode continuar dividido”, atenta Bruin.

Entraves
Apartidária e multissetorial, a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) ressalta o respeito ao posicionamento individual de seus associados e princípios de governança. Mas informa que, neste caso, o diretor-presidente da entidade e professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Paulo Nassar, se posicionou individualmente, assinando a carta em defesa da democracia elaborada pela FDUSP.

“Destaco que a Aberje, orientada pela intransigência de seus valores – ética, pluralidade, inovação e humanismo – está sempre presente na defesa de pautas que tenham impacto direto na sociedade e na comunicação pública, como a transparência na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco, o manifesto contrário ao Projeto de Lei 504/2020, entre outros temas”, declara Hamilton dos Santos, diretor-executivo da Aberje.

Hamilton dos Santos, da Aberje: respeito aos associados (Divulgação)
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) não assinou. O órgão preserva a sua tradição e propósito limitados à aplicação do código, previsto em estatuto. “O setor lutou para ter o Conar justamente porque não queria se submeter a qualquer tipo de controle externo. Não assinar a carta em prol da democracia é, no mínimo, uma incoerência”, analisa a professora Conceição Golobovante, da PUC-SP.

Essência
Embora reconheça que entidades são representativas de todo um setor, e que cada uma guarda os seus compromissos com determinadas forças da sociedade, a pesquisadora da PUC-SP alerta que “a natureza do nosso negócio depende da democracia”.

O Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP) e a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) também não aderiram. “Após análise, concluímos que esta iniciativa foge do escopo de atuação da ABA. Portanto, optamos por não nos manifestarmos sobre este tema”, respondeu a entidade.

Consultadas, Interactive Advertising Bureau (IAB), Associação de Marketing Promocional (Ampro), Associação Brasileira de Mídia Out Of Home (ABOOH), Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), Central de Outdoor e Associação Brasileira de Propaganda (ABP) não se posicionaram.

Fonte: PropMark


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