Fake news e o falso pretexto da liberdade de expressão
6 de julho de 2021 às 10:32
*Por Dudu Godoy
A veiculação de fake news, que proliferou nas redes sociais desde o início da gestão do presidente Jair Bolsonaro, está prestes a ganhar um importante apoio para que continuem sendo disseminadas, sem que as plataformas responsáveis por essas redes – Youtube, Twitter, Facebook e Instagram – possam atuar para excluí-las, como vêm fazendo, ao aplicarem suas políticas de combate às informações falsas. A perspectiva de publicação de um decreto presidencial, definindo que as fake news só poderão ser retiradas pelas plataformas se houver decisão judicial, nos casos de violações ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), quando houver pedidos do próprio usuário ou de terceiros, e nos casos que constituem alguns crimes, parece abrir, novamente, espaço para institucionalizar as notícias falsas que desinformam as pessoas, colocam suas vidas em risco, como ocorre neste momento da pandemia; fomentam discursos de ódio e incitam a violência.
De acordo com pesquisa do IBGE de 2018, 181 milhões de brasileiros estão conectados às redes sociais -, e muitos têm nelas sua principal fonte de informação. Em relação às fake News, as big techs vêm buscando atuar com responsabilidade na gestão de suas redes, seguindo políticas definidas globalmente, e alinhadas ao que, internacionalmente, são consideradas práticas importantes para garantir que os conteúdos postados por usuários em suas redes não sejam nocivos e criminosos. Contudo, caso o novo decreto seja sancionado, restringirá essas ações para retirar posts com informações falsas ou que incentivam o ódio, praticamente autorizando que pessoas e grupos com intenções nocivas e manipuladoras possam atuar livremente, desinformando os usuários das redes e manipulando-os.
A determinação de que os conteúdos postados, bem como a exclusão de perfis, fakes ou não, só sejam retirados mediante decisões judiciais, causarão atrasos e litígios que complicarão a exclusão das mesmas, o que, na prática, perpetua o efeito nocivo das fake news e de perfis falsos criados com intuito de disseminar informação falsa, atacar a reputação e causar ódio. Além disso, o novo decreto significará dar um sinal verde para que as decisões, sobre o que é fake news ou não, sejam tomadas de acordo com a visão do governo, inclusive com o risco de se ceifar a liberdade de expressão em nome de avaliações particulares e injustas para seus opositores.
O aspecto que mais surpreende, na proposta do decreto, é que a fiscalização sobre se um conteúdo é ofensivo ou não, e se deve ser retirado do ar, caberá à Secretaria Nacional de Direitos Autorais, vinculada hoje ao Ministério do Turismo, retirando essa tarefa da atual competência da Anatel e da Secretaria do Direito do Consumidor. Considero que o mais adequado seria a criação de uma câmara de autorregulamentação, que poderia atuar como um fórum técnico para realizar análises imparciais e isentas sobre conteúdos duvidosos. Com as decisões concentradas em órgãos controlados pelo governo, mais uma vez prevalecerá o poder da Presidência para controlar as notícias veiculadas na internet segundo os seus interesses políticos e os de seus seguidores.
Medida ilegal e inconstitucional, que quer alterar o Marco Civil da Internet, o decreto tem implicações inclusive sobre setores como o de meio de pagamentos, pois as regras em discussão impedem que, sem ordem da Justiça, os serviços de meios de pagamento apaguem ou limitem contas mantidas em seus aplicativos, e também gera polêmica no que se refere ao direito autoral, ao estabelecer que o pedido de retirada de conteúdo indevido deve caber ao terceiro que sentir sua autoria lesada, além de preservar o que define como “contas protegidas por direitos autorais”, blindando a derrubada de contas e canais caracterizados por discurso de ódio.
Não deveria ser surpresa o próprio governo propor um decreto que, segundo juristas, é inconstitucional e ilegal. Se é apenas um balão de ensaio para inibir a ação das big techs, ou qual será o teor do decreto, vamos aguardar para ver, na expectativa de que não se concretize mais esta ameaça à liberdade de expressão.
* Dudu Godoy é presidente do Sinapro-SP (Sindicato das Agências de Publicidade do Estado de São Paulo) e VP da Fenapro (Federação Nacional das Agências de propaganda).